Cinco décadas e agora isso...
Estava estarrecido com o inesperado daquela situação. Não
contava com uma partida tão súbita, sem nem ao menos a chance de proferir
palavras, despedidas, declarações, murmúrios ou lamentos. Não dava mais tempo.
E foi nesse momento que percebeu o tempo...
O tempo passou e ninguém reparou, nem ele. Ou será que foi
somente ele?
A viagem iniciou.
O corpo mudara, a pele apresentava vincos que não estavam
lá. Os cabelos riscados de branco, o tônus perdido, o peso aumentara. Mas tinha
mais que isso, tinha o tempo da alma. Das duas almas que ali estavam. Agora
entendia quando ela dizia que ele não prestava atenção.
As perguntas começaram.
Fez tudo que devia fazer? Deu o seu melhor? Esforçou-se para
ser o melhor amigo? Foi honesto? Foi fiel? Foi leal? Elogiou o suficiente? Amou
corretamente? Demonstrou seus sentimentos? Foi corajoso ao ponto de ficar
vulnerável ao amor?
Tantas perguntas que não adiantavam mais serem respondidas, e
não faria mais diferença. Sentou e chorou. Não só pela intensa dor da perda da
mulher amada, mas por ter compreendido que não teria mais tempo.
Ficou sem tempo de amá-la. Acreditou que ela sempre estaria
ali, independente de suas ações. Sua estupidez tamanha cavou um buraco,
concreto preencheu seu estômago e sufocou sua garganta.
Tinha vontade de arrancá-la daquela caixa e dizer-lhe tudo
que sentia, tudo que devia ter sido dito há muito tempo, ao longo do tempo. Esse
mesmo tempo que não volta, que parece cruel, mas só é cruel com quem não sabe
usá-lo, quem não sabe aproveitá-lo.
O tempo é uma dádiva. Permite encontros, promove
desencontros, impulsiona com sua corrida implacável, provoca com a inaceitável
ideia de que não retorna. Mas nem todos percebem suas ações e lamentam no
final.
Depois de cinco décadas ainda não a conhecia... e não teria
mais tempo, nem o choro conforta.
Silvia Mara